Retrospectiva 2020: Um Balanço do Ano

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E Uma Breve Compilação dos Nossos Humildes Esforços

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Este foi um ano difícil para todo o mundo, e para nós também. Nos pontos mais baixos, Donald Trump estava tweetando que anarquistas eram responsáveis por todos os distúrbios nos Estados Unidos, o New York Times alegou que éramos pessoalmente responsáveis pela violência e o Facebook nos baniu de suas plataformas. Há alguns anos, se todas essas coisas acontecessem com você em sequência, o próximo evento seria uma série operações de busca e apreensão contra anarquistas. Este ano, porém, tudo isso é normal — a maioria das pessoas passou por um período ainda mais difícil, com dezenas de milhares de prisões políticas e centenas de milhares de mortes por COVID-19 em países como Brasil e Estados Unidos. Apesar de todos esses desafios, de certa forma, tivemos um de nossos anos mais produtivos.

Esse poster que publicamos antes da pandemia estourar no mundo todo resume o espírito de 2020, da COVID-19 e incêndios florestais aos levantes contra o racismo da polícia e o neoliberalismo.

Uma das nossas conquistas em 2020 foi expandir nosso site para ser totalmente multilíngue: obtivemos a infraestrutura do site funcionando em francês, alemão, italiano, português e espanhol, e adicionamos novos materiais em um total de 28 idiomas diferentes. Enquanto a pandemia COVID-19 deu aos governos uma desculpa para restringir as fronteiras nacionais e fomentar novos abismos entre as populações, demos mais um passo importante no sentido de cultivar conexões internacionais e conhecimento no movimento anarquista.

A pandemia manteve um público cativo de vários bilhões de pessoas, todas dependendo da internet para obter informações; vimos um grande aumento no tráfego em nosso site. Por outro lado, ocupadas respondendo a emergências constantes, não concluímos nenhum novo projeto impresso em inglês, além de uma série de novos zines. Nossos camaradas de língua alemã passaram à nossa frente, produzindo um novo livro colecionando textos do CrimethInc. em alemão escritos dos últimos oito anos.

Uma nova coleção do nosso trabalho em alemão.

Tem sido um período difícil para a experimentação criativa, com crises incessantes tornando difícil fazer qualquer coisa além de reagir continuamente. No entanto, conseguimos publicar alguns projetos artísticos, notadamente um projeto de arte multicontinental celebrando a poesia de Kenneth Rexroth e nossa exploração de WR: Mysteries of the Organism de Makavejev, originalmente pedido para a segunda edição da Antipolitika, o principal jornal anarquista dos Balcãs, em uma edição temática envolvendo o legado da Iugoslávia.

Pela mesma razão, foi um ano ruim para projetos teóricos reflexivos, embora tenhamos publicado “Como seria um programa anarquista?”, um exercício com a intenção de incitar as pessoas a formularem suas próprias propostas sobre o que a revolução anarquista envolverá.

Uma cena do nosso projeto artístico celebrando a poesia de Kenneth Rexroth.

O pico no tráfego da web nos permitiu alcançar mais pessoas, à medida que as táticas e análises que desenvolvemos por um quarto de século repentinamente se tornaram relevantes para dezenas de ​​milhares de pessoas que se viram presas entre um levante popular e um estado policial. Mas não poder viajar, falar publicamente ou vender livros em livrarias também nos tornou mais dependentes dos canais corporativos para nos comunicarmos. No meio de 2020, o império contraatacou, com o Facebook nos banindo de sua plataforma junto com dezenas de outros portais anarquistas e sites de notícias com o pretexto de que estavam banindo páginas que “apóiam a violência”. Embora eles tenham inventado isso como uma medida para reprimir a organização de milícias de extrema direita, na verdade, essas milícias foram autorizadas a continuar se organizando no Facebook: a mobilização da milícia na qual Kyle Rittenhouse matou duas pessoas e atirou em uma terceira foi organizada via Facebook logo após a proibição entrar em efeito. Longe de reprimir a violência, ao banir a nossa e a uma série de outros jornais anarquistas, o Facebook estava simplesmente se curvando à pressão da direita para suprimir as vozes daqueles que estavam documentando o aumento da violência fascista.

Em resposta, milhares de figuras públicas, incluindo David Graeber, Noam Chomsky, Cory Doctorow e Chelsea Manning publicaram uma carta aberta protestando contra o banimento de páginas jornalísticas anarquistas do Facebook e rejeitando a falsa equivalência que a empresa tenta criar entre grupos de direita que organizam ataques violentos e grupos antifascistas que relatam sobre eles.

Em seguida, o New York Times impulsionou um boato da conspiração de extrema direita sem nenhuma base jornalística anterior para alegar que o CrimethInc. foi de alguma forma responsável por orquestrar toda a agitação em todo o país. Parece quase incompreensível que jornalistas respeitáveis manchariam sua credibilidade simplesmente para reforçar a narrativa divulgada por seu adversário declarado, Donald Trump. A única maneira de entender isso é enquadrá-los no contexto das contínuas tentativas centristas de minar o ímpeto dos levantes por George Floyd, alegando que os protestos fariam Trump se reeleger e empregando narrativas sem fundamento sobre “agitadores externos”.

Levou até meados de dezembro para o Instagram, que é propriedade do Facebook, seguir o exemplo e fechar nossa conta sem explicação ou justificativa. Presumivelmente, ambas as plataformas irão lenta e constantemente suprimir anarquistas e outras vozes de princípios daqui em diante. Isso torna especialmente urgente o estabelecimento de outros meios de comunicação. Para isso, estabelecemos um canal no Telegram, uma conta Mastodon e notificações via Signalboost.


Tudo o que contribuímos em 2020 — desde redigir relatos e análises de testemunhas oculares até programar este site e enviar livros pelo correio — realizamos por meio de trabalho 100% voluntário, trabalhando coletivamente e anonimamente como fazemos desde meados dos anos 1990. Não buscamos ganho financeiro, nem fama, nem crédito pessoal pelo que fazemos. O que nos move é exclusivamente pelo nosso desejo de libertação coletiva e pela alegria que sentimos em colaborar com projetos criativos em conjunto.

Como sempre — se você gosta do que fazemos, a melhor coisa que você pode fazer é também fazer você mesma. Atue em sua própria comunidade, desenvolva e refine suas próprias análises e estratégias, alcance outras pessoas e lute por mudanças sociais. Você também pode contribuir com nossos esforços de várias maneiras ou, caso não possa fazer nada mais, pode doar e nos ajudar a imprimir novos materiais de divulgação. Entre em contato conosco se puder ajudar de alguma outra forma!

In Memoriam

Perdemos muitos camaradas incansáveis e de muito talento este ano. Será um desafio ocupar o lugar dessas pessoas.

Em fevereiro, o escritor anarquista, editor e contestador Aragorn! faleceu em São Francisco, Califórnia. Publicamos a transcrição de uma entrevista realizada no verão de 2018 na qual Aragorn! descreve o desenvolvimento da contracultura e do anarquismo ao longo de quatro décadas — de sua juventude na cena hardcore durante os anos Reagan aos conflitos de gangues com skinheads nazistas, a primeira Guerra do Golfo, o surgimento da Internet e todos os diferentes projetos de publicação e infraestrutura de que participou dentro.

Aragorn!

No dia 30 de abril, perdemos o companheiro Sérgio Luiz Monteiro Mesquita para a Covid-19. Sérgio foi professor de história de Duque de Caxias e pesquisador, membro do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC) e da Biblioteca Social Fábio Luz (BSFL), ambos espaços ligados à Federação Anarquista do Rio de Janeiro.

Antônio Bivar, importante dramaturgo e escritor brasileiro, ligado às origens do movimento anarcopunk e da contracultura no país, faleceu em julho de 2020, também por conta da pandemia. Bivar foi um dos organizadores do festival O Começo do Fim do Mundo, em 1982, festival que consolidou a cena musical punk pulistana e brasileira. No mesmo ano, escreveu o volume “O que é punk” para a clássica coleção introdutória da editora Brasiliense. Um erudito que nunca deixou de lado sua conexão com as ruas e o punk.

Em setembro, nosso amigo David Graeber também faleceu. David foi um pensador anarquista incansável e abrangente. Assim como Aragorn!, acreditamos que ele ainda teria décadas de importantes contribuições pela frente quando foi subtamente tirado de nós.

David Graeber.

O anarquista veterano Stuart Christie, o organizador da Cruz Negra Anarquista, organização que carregou a chama anárquica durante a sombria metade do século XX até o seu ressurgimento na década de 1980. Recomendamos seus escritos, bem como o arquivo de filmes anarquistas que ele curou.

Também perdemos Diane di Prima, uma das mais importantes poetas beat e anarquista defensora da revolução através dos séculos, e Lucio Urtubia Jiménez, o anarquista ilegalista, que assaltou bancos para financiar a resistência antifascista, cujos inspiradores esforços de contrafação política são narrados no documentário Lucio.

Lamentamos a morte de Michael Forest Reinoehl, o antifascista que foi assassinado extrajudicialmente pela polícia e marechais dos Estados Unidos a pedido de Donald Trump pelo crime de se defender de um ataque fascista.

Brian McCarville, um anarquista preso em Oregon, faleceu em seu 68º aniversário, 27 de setembro. Ele participou de lutas contra o sistema prisional desde a virada do século. As ferozes organizadoras antiprisão Karen Smith e Rebecca L. Hensley faleceram em dezembro, seguidas por Lois Martin, uma octogenária voluntária do No More Deaths e veterana de seis décadas de ativismo.

Enquanto completávamos este texto, soubemos do falecimento do historiador anarquista Alexandre Skirda. Ele ficou bem conhecido pela biografia de Nestor Makhno, o cossaco da anarquia, que continua sendo a obra definitiva sobre a vida do revolucionário ucraniano.

Por fim, lamentamos a perda de todas as pessoas mortas pela polícia, prisão e COVID-19 — com elas se vai muito do potencial de nossa época.


O Começo

É fácil esquecer que 2020 começou da mesma forma que está terminando, com o golpe de sabre de Trump ameaçando uma guerra com o Irã. No Chile e no Líbano, os levantes que explodiram no final de 2019 ainda estavam fervendo. Nos Estados Unidos, as coisas pareciam relativamente calmas.

Trabalhando com camaradas em todo o mundo, fizemos versões deste pôster com os dizeres “Contra todas as guerras — contra todos os governos — contra toda opressão” em farsi, árabe, indonésio, espanhol, português e inglês.

A Pandemia

A pandemia COVID-19 é a primeira de uma série de crises biológicas e ecológicas que o capitalismo tardio enfrentará. Prenunciamos como um sistema de saúde baseado em controle não conseguiria proteger as pessoas em “The Operation Succeeded, but the Patient Died,” (“A operação teve sucesso, mas o paciente morreu”), nossa análise de como o que Michel Foucault chamou de “biopoder” funciona tanto em hospitais quanto em prisões.

Em nossa introdução a “Contra o Coronavírus e o Oportunismo do Estado”, um relatório da Itália quando o COVID-19 estava surgindo antes do surto nos Estados Unidos, expusemos o problema básico que o vírus forçou nossa sociedade a enfrentar:

Fundamentalmente, o problema é que não temos um discurso sobre saúde que não parta da premissa do controle centralizado. Ao longo do espectro político, toda metáfora que temos para segurança e saúde é baseada mais na exclusão da diferença (por exemplo: fronteiras, segregação, isolamento, proteção) do que na busca por desenvolver uma relação positiva com a diferença (por exemplo: ampliar os recursos do sistema de saúde para todas, incluindo aquelas fora das fronteiras dos EUA).

Precisamos de uma forma de conceber o bem-estar que compreenda a saúde física, os laços sociais, a dignidade humana e a liberdade como estando todas conectadas. Precisamos de uma forma de responder a crises baseada em apoio mútuo — que não conceda mais poder e legitimidade para tiranos.

Na verdade, as estratégias de estado baseadas em fronteiras e segregação falharam em manter o vírus fora da Europa e dos Estados Unidos. As principais forças que limitaram o impacto da pandemia e da turbulência econômica que se seguiu aqui foram os projetos de apoio mútuo e as medidas voluntárias descentralizadas, como usar uma máscara e praticar distanciamento social. Ter acesso a cuidados médicos adequados e recursos suficientes para poder tirar um ano de folga do trabalho distribuídos de maneira mais uniforme, isso certamente teria salvado centenas de milhares de vidas.

Os imperativos econômicos que supostamente fomentam a “produtividade” têm sido apenas uma ameaça para a população em geral e um obstáculo para soluções racionais. Se a maioria das pessoas fosse livre para se dedicar às tarefas que consideram mais significativas, em vez de serem forçadas a fazer qualquer tarefa gere lucro para os capitalistas, a fim de evitar serem despejadas de suas casas, isso certamente teria resultado em mais recursos da sociedade sendo direcionados para soluções como encontrar e distribuir uma vacina segura e eficaz, e não menos.

Ao invés de colocar fé cega no Estado, precisamos focar no que podemos fazer com nossa própria agência, olhando para os precedentes anteriores para nos orientar. Não vamos deixar ninguém atacar a forma de organização anarquista como não sendo “disciplinada” ou “coordenada” o suficiente para tratar de um assunto como este. Já vimos diversas vezes que as estruturas capitalistas e estatais são, na melhor das hipóteses, “disciplinadas” e “coordenadas” exatamente de formas que impõem crises desnecessárias sobre nós — pobreza, mudanças climáticas, o complexo industrial prisional. Anarquismo, como o vemos, não é um projeto hipotético para um mundo alternativo, mas a necessidade imediata de agir fora e contra os ditames do lucro e da autoridade de forma a reagir às suas consequências. Enquanto os modelos atuais de se “gerenciar a pandemia” que os Estados estão pondo em prática são baseados no controle vertical que sempre falha em proteger as pessoas mais vulneráveis, uma abordagem anarquista se focaria principalmente em direcionar os recursos, como cuidados médicos, para todas as pessoas que precisam deles, ao mesmo tempo em que empodera indivíduos e comunidades a serem capazes de limitar a quantidade de risco a que escolhem se expor sem enormes consequências negativas.

Nosso texto seguinte, “Sobrevivendo ao Vírus: Um Guia Anarquista”, foi provavelmente o nosso artigo mais lido de 2020, alcançando centenas de milhares de pessoas em dezesseis idiomas diferentes. Expandindo-o, oferecemos uma análise dos perigos da expansão do poder do Estado na era COVID-19, esboçando três programas rivais em face da crise: os adeptos do capitalismo desenfreado (representando a morte), os proponentes da tecnocracia (representando sobrevivência) e os partidários da liberdade (ou seja, da própria vida).

Retornamos a alguns desses temas em “Pelo que Vale a Pena Morrer”, explorando por que tantas pessoas nos Brasil e no mundo — incluindo as pobres — são a favor do sacrifício de seres humanos no altar da economia.

Clique na imagem para baixar o poster.

À medida que as pessoas buscavam pontos de intervenção para responder às crises que surgiam, nos concentramos na luta por moradia, publicando uma entrevista com a Station 40 em San Francisco, o coletivo habitacional que foi um dos primeiros grupos a declarar publicamente uma greve de aluguel, seguido da divulgação da campanha, de materiais e uma história de greves de aluguel ao redor do mundo. Também publicamos um relato de um entregador de Manhattan, descrevendo como o risco é distribuído de acordo com a classe. Finalmente, coletamos uma série de posters, pixos e grafites que capturam as reações iniciais de anarquistas e radicais à pandemia em todo o mundo.

Em nosso esforço histórico mais ambicioso do ano, “Anarquistas contra a Peste”, registramos os esforços de Malatesta e seus camaradas para responder à epidemia de cólera de 1884, traduzindo uma riqueza de textos anteriormente indisponíveis do francês e do italiano para destilar lições para anarquistas do século XXI que enfrentam a pandemia de hoje.

“Uma corte para o rei cólera.” Em 1884 como hoje, a pobreza e a opressão eram as principais comorbidades que afligiam a população ao lado da peste.

Os Levantes

No início da revolta em Minneapolis, percebemos como o movimento que se seguiu se tornaria poderoso e de amplo alcance. Registramos cenas das primeiras três semanas em nosso “Retratos da Revolta”. Nosso relatório sobre o próprio levante, “O Cerco ao Terceiro Distrito em Minneapolis”, tornou-se nosso segundo artigo mais lido do ano, graças em parte à Fox News e semelhantes.

Em geral, tentamos evitar a exposição contraproducente — preferimos que nossas publicações alcancem pessoas que farão um bom uso delas, ou então, que permaneçam menos difundidas. Mas às vezes é impossível evitar a publicidade.

A revolta que começou em Minneapolis estendeu o modelo oferecido pela revolta de 2014 em Ferguson para todos os Estados Unidos.

À medida que o movimento se expandia e explorava novas táticas, publicamos relatos de zonas autônomas em todo o país e outros experimentos, notavelmente uma tentativa ambiciosa de derrubar uma estátua de Cristóvão Colombo em Chicago.

Mostramos como os protestos e o movimento que ocupou partes da cidade de Minneapólis refletem princípios anarquistas fundamentais. E também apoiamos o movimento com textos analíticos, como “What Will It Take to Stop the Police from Killing (“O Que É Preciso Para Impedir a Polícia de Matar”).

Longe de facilitar a reeleição de Donald Trump, o levante mostrou que Trump não teve sucesso em manter o controle dos Estados Unidos, desencorajando seus partidários entre a classe capitalista de apoiarem seu esforço para tomar o poder, independentemente do resultado da eleição.

Ao Redor do Mundo

Cobrimos ações solidárias em 54 países que apóiam o levante nos Estados Unidos. Também publicamos relatórios de levantes locais na Sérvia, Bielo-Rússia, Colômbia, Irã e em outras partes do mundo.

No aniversário de um ano da invasão turca de Rojava, publicamos uma extensa entrevista com anarquistas no nordeste da Síria, comparando suas experiências de luta contra o Estado Islâmico e a Turquia, explorando o que ocorreu na Síria desde a invasão e avaliando a eficácia do anarquista intervenções em Rojava.

Também publicamos uma atualização mensal de notícias da Grécia, para apoiar o movimento anarquista de lá, enquanto ele luta com sucessivas ondas de repressão sob o governo apropriadamente chamado de “Nova Democracia”.

A Preparação para as Eleições

Depois que as autoridades militares dos EUA se recusaram a enviar as forças armadas dentro dos Estados Unidos para suprimir os protestos contra a polícia e a supremacia branca, Trump começou a identificar quais das forças armadas do governo federal eram leais o suficiente a ele para ir à guerra contra os cidadãos americanos em seu nome. Ele enviou tropas federais do Departamento de Segurança Interna para Portland, Oregon, em um teste para ver se seriam capazes de controlar a população se ele tentasse tomar o poder após a eleição. Milhares responderam, transformando a cidade em uma zona de guerra por semanas. Publicamos um chamado à solidariedade com as pessoas nas ruas de Portland que contribuíram para outra onda de resistência em todo o país.

Dissonância cognitiva: em Portland, mesmo aqueles que ainda acreditam na política eleitoral se viram na vanguarda dos confrontos com a polícia.

Nos meses seguintes, Joe Biden abraçou os pontos de discussão de Donald Trump sobre anarquistas e antifascistas, concordando que “incendiários e anarquistas deveriam ser processados”. Nós respondemos com “The Insidious Workings of The Political Ratchet”:

O sistema bipartidário dos Estados Unidos funciona como uma chave-catraca, com o Partido Republicano constantemente puxando as políticas públicas e o discurso permissível para a direita, enquanto os Democratas, ao buscarem adquirir o poder perseguindo o centro político, servem como um mecanismo que evita que a política e o discurso retrocedam. À medida que os Democratas seguem os Republicanos apoiando cada vez mais o autoritarismo, o trabalho que Trump está fazendo para enquadrar anarquistas, antifascistas e outros manifestantes como alvos legítimos também será útil para o partido de Biden.

“Volte x Revolte”

À medida que a eleição se aproximava, explicamos os perigos e os riscos em nossos artigos “Preparing for Electoral Unrest and a Right-Wing Power Grab” e “Between Electoral Politics and Civil War”.

No Chile, onde os poderosos movimentos de rua de 2019 foram reprimidos pela pandemia e depois canalizados para o reformismo, nossos correspondentes relataram o papel da política eleitoral na contenção e cooptação das lutas após o referendo em que os eleitores exigiram a substituição da constituição em vigor desde a ditadura. Em ambos os países, as eleições funcionaram para reduzir o horizonte de mudanças sociais imagináveis. Em outubro de 2020, era difícil lembrar que durante um verão, uma pesquisa da Newsweek descobriu que 54% dos entrevistados acreditavam que o incêndio da Delegacia de Polícia de Minneapolis era justificado após o assassinato de George Floyd, em um momento em que Biden estava com 46% de votos e Trump com 38%. É necessário um fluxo constante de propaganda centrista e de extrema direita para manter a impressão de que as “pessoas comuns” querem manter as coisas como estão.

Imediatamente antes das eleições nos Estados Unidos, organizamos “Fora Todos”, uma campanha de conscientização rejeitando os dois partidos políticos e divulgando o acesso às táticas que os manifestantes desenvolveram durante os confrontos em Portland e em outros lugares durante o verão, caso se tornassem necessários em caso de Trump tentando tomar o poder ou Biden tentando preservar as políticas de Trump.

Clique na imagem para baixar o PDF.

Divulgamos também a “Outra Campanha” organizada por camaradas no Brasil durante o período de eleições municipais no país. Durante a era Bolsonaro, como previsto, partidos e personalidades políticas tentam diluir e desencorajar a radicalidade nas ruas, com o pretexto de “justificar a repressão” e “fortalecer o governo”, quando na realidade apenas buscam canalizar as mobiliações sociais para suas agendas eleitorais.

Vídeo da Outra Campanha lançado durante o período eleitoral brasileiro de 2020, produzido pelo coletivo Antimidia e Facção Fictícia.

Encarando 2021

No final, Biden ganhou a eleição. Mas Trump deixou muito claro que se pudesse ter tomado o poder pela força bruta, ele o teria feito — e os rebeldes que tornaram partes de muitas cidades do país ingovernáveis em maio e junho estavam entre os principais fatores que desencorajaram uma grande parte da classe capitalista de apoiá-lo neste esforço. Sem nossa resistência popular, seu esquema poderia ter sido bem-sucedido.

As eleições podem mudar quem detém o poder dentro do estado, mas não trazem mudanças imediatas no nível da sociedade. Auxiliados e estimulados por promotores e policiais, os fascistas continuam a se mobilizar, e o desânimo que a perda de Trump se espalhou entre seus apoiadores provavelmente facilitará seus esforços de recrutamento. De Washington, DC ao noroeste do Pacífico,

A vitória eleitoral de Biden não fez nada para conter a escalada da violência da extrema direita. Isso apenas encorajou os fascistas, ao mesmo tempo que deu aos liberais uma desculpa para deixar os setores mais vulneráveis da população sozinhos para enfrentar a violência.

De volta ao poder, os Democratas neoliberais se aproximam de 2021 com a intenção de preservar a ordem vigente a todo custo. O próximo ano verá as provações e tumultos de 2020 continuarem em um terreno que mudou apenas superficialmente: o mesmo capitalismo cruel, a mesma pandemia, a mesma polícia racista, as mesmas medidas autoritárias para exercer o controle — e, com sorte, a mesma rebelião corajosa e resistência

Podemos fechar 2020 com orgulho de nossas realizações, apreciando os momentos absolutamente belos em que as pessoas desafiaram um universo de perigos para oferecer uma amostra do que nossas vidas ainda podem ser.

Postscript e Pontos de Partida: Faça Você Mesma

Um de nossos outros projetos no ano que passou foi lançar uma série de guias faça-você-mesma para protestos, reunindo técnicas e equipamentos. Isso inclui proteger-se contra vazamentos de dados, o chamado doxxing, cassetetes da polícia, e tudo que você precisa saber para escolher os melhores capacetes, armadura corporal e óculos e máscaras de gás para suas necessidades.

Publicamos dois guias especialmente para equipes médicas de rua, sobre como tratar ferimentos comuns causados por armas da polícia e ferimentos por arma de fogo.

Por fim, coletamos uma série de táticas empregadas durante a luta contra a polícia e as tropas federais em Portland, incluindo inovações como o emprego de sopradores de folhas para repelir o gás lacrimogêneo.

Em 2021, faremos mais guias. Caso queria ajudar com traduções para o português (ou mesmo para inglês ou espanhol), por favor entre em contato conosco. Toda colaboração é necessária para que alcancemos cada vez mais pessoas e consigamos levar relatos de lutas do Brasil e toda América Latina para o debate internacional. Para o bem ou para o mal, nenhuma das lutas das quais participamos no ano passado está concluída.

“Nós protestamos!”